Olhar do Grupo!!
Embore seje um dos 3 heterónimos ( personagem fictícios) de Fernando Pessoa, ele possui uma caracteristica propria diferenciando dos outros 2 hetenónimos. Suas poesias sempre com muitas alusões mitológias, com uma linguagem culta e precisa, sem qualquer espontaneidade. Usa seus dois principais temas o epicurismo e o estoicismo de uma maneira propria, elevando a razão sobre a emoção. No epicurismo usar de maneira bem ampla em suas poesias.Esse grande poeta tem diversas obras, que sao referência ate hoje.
Particulamente não conhecia muito sobre esse poeta,embore tenha feito esse blog conhecemos pouco sobre Ricardo Reis, mas do que aprendi esse poeta certamente ficou marcado na historia da literatura brasileira.
Meu Gesto
Meu gesto que destrói
A mole das formigas,
Tomá-lo-ão elas por de um ser divino;
Mas eu não sou divino para mim.
Assim talvez os deuses
Para si o não sejam,
E só de serem do que nós maiores
Tirem o serem deuses para nós.
Seja qual for o certo,
Mesmo para com esses
Que cremos serem deuses, não sejamos
Inteiros numa fé talvez sem causa.
Frutos
Frutos, dão-os as árvores que vivem,
Não a iludida mente, que só se orna
Das flores lívidas Do íntimo abismo.
Quantos reinos nos seres e nas cousas
Te não talhaste imaginário!
Quantos,
Com a charrua, Sonhos, cidades!
Ah, não consegues contra o adverso muito
Criar mais que propósitos frustrados!
Abdica e sê Rei de ti mesmo.
Quadro-Síntese
Vamos conhecer um pouco mais sobre os aspectos de Ricardo Reis. |
---|
Aspectos temáticos | Aspectos formais | |
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Harmonia entre o epicurismo e o estoicismo; | Uso de vocabulário erudito e preciso; | |
Autodisciplina, renunciando às fortes emoções; | Recurso a arcaísmos; | |
Procura da ataraxia; | Formas estróficas e métricas de influência clássica – Ode. | |
Renúncia da vida através da recusa do amor e da consciência da inutilidade do esforço de mudança; | Influência latina através da anástrofe e do hipérbato; | |
Elogio do carpe diem; | Predomínio da subordinação; | |
Elogio da vida campestre (aurea mediocritas); | Uso frequente de advérbios de modo; | |
Fatalismo – o destino é força superior ao homem; | Recurso ao gerúndio; | |
Aceitação calma do destino; | Uso do imperativo como manifestação de atitude filosófica; | |
Obsessão da efemeridade da vida; | Diálogo permanente com um "tu" – coloquialidade. | |
Consciência da fugacidade do tempo; | ||
Aparente tranquilidade, na qual se reconhece a angústia existencial do ortónimo; | ||
Neopaganismo – os deuses também estão sujeitos ao Fado e alusões mitológicas; | ||
Intenção didáctica dos seus versos; | ||
Elogio à carência das ideias dogmáticas e filosóficas como meio de manter-se puro e tranquilo; |
Felizes
Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na úmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.
Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto
As ondas estoirando.
Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,
Não sabe que os seus passos vão cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glória
De uma beleza eterna.
Relação com Quinto Horácio Flaco
Muitos críticos fazem uma comparação entre Ricardo Reis e Quinto Horácio Flaco vamos entender melhor essa comparação.
A obra de Ricardo
Reis, o poeta neoclássico criado por Fernando Pessoa, inventor de mais de 75
autores fictícios, inegavelmente estabelece diálogo com Horácio, o poeta
latino da época do imperador Otávio Augusto, auge do Império Romano. Não é
preciso muito esforço para comprovar essa relação, no entanto estabelecer em
que medida um poeta dialoga com outro, nos aspectos formais, temáticos e
conteudísticos, merece exame e reflexão, e pode esclarecer os que lhe absorvem
a obra às cegas.
CONFLITO
Se Quinto Horácio
Flaco, filho de um escravo liberto e mãe desconhecida, nascido em 65 a.C. e
morto oito anos antes do nascimento de Cristo, viveu num período de paz e
prosperidade após a solução dos conflitos sucessórios gerados pelo assassinato
de César, Ricardo Reis teve sua fictícia existência, iniciada em 1887 e
paralela a de Fernando Pessoa (1888-1935), num Portugal em luta para
consolidar a República, numa Europa conturbada pela Primeira Guerra Mundial e
pela eclosão da Revolução Soviética, e onde se gestava um conflito mundial de
proporções ainda maiores. Enquanto Horácio, poeta por profissão, estava em
consonância com aquela prosperidade e apoiava, resguardando sua independência,
o governo de Augusto, Ricardo Reis, médico educado num colégio de jesuítas,
era politicamente conservador e defendia a volta à Monarquia, tendo por isso
se auto-exilado no Brasil em 1919. Por viver em conflito com o mundo moderno,
refugia-se na antigüidade clássica, sendo “um latinista por educação alheia e
um semi-helenista por educação própria” conforme seu criador. Evidentemente,
as determinações históricas e pessoais se refletem na obra do poeta romano,
mas por incrível que pareça, também na do poeta inventado, criando uma
impressionante relação entre obra e vida, já que a poesia do heterônimo
pessoano almeja que nada mude e teme quaisquer alterações a sua volta.
FORMA
Quanto à forma,
Ricardo Reis busca uma identidade com Horácio, isso no que se refere às odes,
já que apenas com elas dialoga, rejeitando as sátiras e epístolas, ainda que
adapte as odes horacianas, baseadas na sílaba longa e breve, aos parâmetros
métricos e rítmicos da língua portuguesa, bastante diferenciados do latim
clássico. A forma estrófica, nas suas diferentes modalidades, no essencial
mantém-se.
Uma característica
da poética horaciana aponta que os poemas não devem apenas ser belos, mas
doces, suaves, tranqüilos, agradando pelos sentimentos brandos que despertam,
proposição esta em parte absorvida pelas Odes de Ricardo Reis: “Vem
sentar-te comigo, Lídia, à beira rio./ Sossegadamente fitemos o seu curso e
aprendamos/ Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas./ (Enlacemos as
mãos.)” (80). Se Horácio, que nunca renegou sua origem escrava e se
orgulhava dela, tinha na escrava liberta, chamada de libertina, a mulher
ideal, atribuindo às suas amantes nomes fictícios como Lídia, Cloe, Neera, a
obra de Ricardo Reis vai se utilizar dos mesmos nomes, sombra da sombra, para
expor a sua peculiar visão de mundo.
NEM A VIDA
NEM A MORTE
Para Horácio a
morte é a grande mestra da vida, sendo ela certa, importa é gozar o dia,
colher o dia que passa, carpe diem, como se fosse o último,
“Enquanto conversamos,/ foge o tempo invejoso./ Desfruta o dia de hoje,
pensando/ o mínimo possível no amanhã” (Ode à Leucónoe). Uma filosofia,
como se pode sentir, não lá muito combativa no sentido de prover o ser humano
de elementos para, com o próprio esforço, construir o seu futuro. Contudo, já
que a felicidade não é absoluta mas relativa, para colher da vida os dias
felizes antes da velhice e da morte, o poeta latino propõe celebrar o festim
regado a vinho com os amigos e a amada, o máximo a que se poderia chegar em
termos de felicidade. Tudo isso sem excessos, já que o meio-termo é a suprema
ventura, sendo esse um festim anterior às orgias praticadas no período da
Decadência, condenadas na época de Horácio. Não se bebe para esquecer a morte,
mas para a partir dela enaltecer a vida. Ricardo Reis não tira partido da
morte, em relação à vida propõe apenas que “saibamos/ Sábios incautos,/ Não
a viver,// Mas decorrê-la” e tendo “Nem o remorso/ De ter vivido”
(73). Pergunta e responde: “Que é qualquer vida? Breves sóis e sono”
(145). Para ele nada tem sentido, nem a vida nem a morte: “Não vale a pena/
Fazer um gesto./ Não se resiste/ Ao deus atroz/ Que os próprios filhos/ Devora
sempre” (74).
Finge seguir
Horácio, “Mas tal como é, gozemos o momento,/ Solenes na alegria
levemente,/ E aguardando a morte/ Como quem a conhece” (82), entretanto
nem o gozo tem razão de ser quando se dirige à Lídia, “Desenlacemos as
mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos./ Quer gozemos, quer não gozemos,
passamos como o rio” (80). E quando propõe o gozo com mais convicção,
“Cada dia sem gozo não foi teu/ Foi só durares nele”, ele se resume a um
“reflexo do sol ido na água/ De um charco” (147).
Em relação ao gozo
proporcionado pelo vinho, Horácio ensina que se bebe coroado de flores, a
coroa ensina a viver, já que as folhas e flores ao murcharem estimulam a gozar
o dia que foge. Ricardo Reis pede, “Coroai-me de rosas” (77) mas
rejeita “idéias que trazem rosas” (139). Diz à amada que de nada
adianta beber o vinho, porque entre uma taça e outra pode ocorrer a morte,
“E brindemos uníssonos à sorte/ Que houver, até que chegue/ A hora do
barqueiro” (123). Bebe não para glorificar a vida, nem mesmo para esquecer
a morte, “Sábio” é o que “sabe fazer que a cor do vinho esconda
isto,/ Que o seu sabor orgíaco/ Apague as horas” (86). Horácio bebe nos
festins que ocorrem nas datas festivas, no calendário de Ricardo Reis não
existem dias de trabalho e dias de festa, ele vive num eterno lazer, sem
trabalho obrigatório, “me entrego, filho/ Ignorado do Caos e da Noite/ Às
férias em que existo”. Não distingue “lazer com dignidade” e
“lazer sem dignidade” como fazia Horácio.
O poeta latino
glorifica a juventude como o período ideal para participar do sagrado festim,
para Ricardo Reis “Melhor vida é a vida/ Que dura sem medir-se” (117),
e sempre auto-referente sofre “Já o frio da sombra/ Em que não terei
olhos./ A caveira ante-sinto” (124). O festim baseia-se na solidariedade
humana e supõe uma reunião de amigos, e para Horácio o amigo é “a metade da
alma”. Já Ricardo Reis é sem amigos, completamente sozinho, e sozinho por
opção, apenas algumas mulheres se apresentam como fantasias saídas das páginas
de Horácio, “Suave é viver só./ Grande e nobre é sempre/ Viver
simplesmente” (109), “E nada tem sentido – nem a alma/ Com que penso
sozinho” (131).
Defensor das posses
médias, do meio-termo entre a riqueza e a pobreza, Horácio acredita que
“quem quer pouco tem tudo”, Ricardo Reis repete a assertiva, mas a
modifica para negar a relação amorosa, “Quem quer pouco, tem tudo; quem
quer nada/ É livre: quem não tem, e não deseja,/ Homem, é igual aos deuses”
(137). Ambos os poetas preferem o campo à cidade, Horácio elogia a harmonia
social que possibilita a pequena propriedade romana, antes de Otavio Augusto
arruinada, e sente-se realizado na sua modesta Vila da Sabina. Ricardo Reis
retruca, “usemos a existência/ Como a vila que os deuses nos concedem”,
entretanto o faz com um objetivo banal, “Para esquecer o estio”,
repelindo qualquer “outra forma mais apoquentada” de viver (92).
Horácio crê na
Providência Divina e tenta alcançar favores das deidades através de preces e
sacrifícios. Ricardo Reis descarta o cristianismo como única religião, “Vós
que, crentes em Cristos e Marias,/ Turvais da minha fronte as claras águas”
(96), e apesar de se referir aos deuses, pagão que finge ser, desconfia deles
e a rigor é materialista, “Mesmo para com esses/ Que cremos serem deuses,
não sejamos/ Inteiros numa fé talvez sem causa” (159), ainda assim propõe
que se imite uma muitíssimo duvidosa qualidade divina, “Os deuses são
deuses/ Porque não se pensam” (109).
INDIFERENÇA
A proposição moral
de Horácio de praticar o bem evitando o mal, perde a razão de ser em Ricardo
Reis, que pratica somente a indiferença. Para Horácio, o fruto é mais
importante que a flor, para Ricardo Reis, frutos e flores, colhidos ou não,
pouca diferença têm: “Colhido, o fruto deperece; e cai/ Nunca sendo
colhido” (118), “Flores que colho, ou deixo,/ Vosso destino é o mesmo”
(118). Horácio sente responsabilidades diante do mundo e lembra-se de
“conservar um ânimo igual/ na adversidade como na prosperidade,/ comedido da
excessiva alegria” (Livro II, Ode 3). Ricardo Reis abdica delas, para ele
a moral, a vida, tudo é inútil: “Ah, não consegues contra o adverso muito/
Criar mais que propósitos frustrados!/ Abdica e sê/ Rei de ti mesmo”
(126), quer “a visão clara/ E inútil do Universo” (101).
Apesar de não ter
predileção pela poesia épica, Horácio põe sua lira a serviço do saneamento e
da recuperação do Império, exerce um patriotismo crítico, procura agradar e
instruir. Horácio detesta a guerra, ama a paz que propicia a realização da
prosperidade e do festim, mas crê que se deve lutar quando se trata de uma
guerra justa, o que inscreve num de seus mais famosos versos, “É doce e
belo morrer pela Pátria” (Livro III, Ode 2). Ricardo Reis, por sua vez, só
se inquieta se o rei de marfim do jogo de xadrez corre perigo, mesmo que
“caiam cidades, sofram povos”, e a ele “Pouco pesa na alma que lá
longe/ Estejam morrendo filhos” (104). Quando escreve “Prefiro rosas,
meu amor, à pátria” (107), pergunta “Que importa àquele a quem já nada
importa”, e responde “Nada, salvo o desejo de indiferença/ E a
confiança mole/ Na hora fugitiva” (107). No fundo, Horácio aconselha que
se faça amor, não a guerra, enquanto Ricardo Reis não aconselha nem uma coisa
nem outra, “Vê de longe a vida. Nunca a interrogues” (109), pois nada
vale a pena.
AMOR
Horácio ama sem
culpas a libertina, seja Lídia, Cloe ou outra, Ricardo Reis não quer ser
amado, pois isso demandaria um amor a ser retribuído que ele não tem, “Não
quero, Cloe, teu amor, que oprime/ Porque me exige amor. Quero ser livre.”
(137). Quer que os deuses lhe concedam que “despido/ De afetos, tenha a
fria liberdade/ Dos píncaros sem nada” (137). Horácio escreve “enquanto
dura a vida, amemos”, Ricardo Reis inverte o raciocínio e diz que enquanto
não “se engelha conosco/ O mesmo amor, duremos” (89). Simulando
Horácio, Ricardo Reis bebe, coroa-se de rosas, senta-se à mesa ou em frente à
lareira com a mulher horaciana, mas conclui que nada disso adianta, pois
“quem nos ama/ Não menos nos limita” (137) e “Ninguém a outro ama,
senão que ama/ O que de si há nele” (145). Em Horácio ocorrem todas as
manifestações do amor: beijos, carícias, enlaces. Ricardo Reis reconhece que
também poderiam haver tais coisas entre ele e Lídia, “podíamos,/ Se
quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias”, mas conclui que “não
vale a pena cansarmo-nos” (80). O único beijo possível é o de despedida, à
hora da morte, quando “já nos toque/ No ombro a mão, que chama/ À barca que
não vem senão vazia” (123).
Quando escreve
“Para ser grande, sê inteiro: nada/ Teu exagera ou exclui./ Sê todo em cada
coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes./ Assim em cada lago a lua toda/
Brilha, porque alta vive” (146), um poema louvado com justiça quando lido
fora da “profunda neurose” (Leyla Perrone-Moisés) da mensagem da obra e que
não parece ser de quem é, Ricardo Reis em verdade está apenas dialogando com
Horácio, combate a filosofia do meio-termo dourado, a busca do equilíbrio que
apara e exclui os excessos. Em Ricardo Reis, o almejado equilíbrio é frágil,
tenta se sustentar numa atitude de não interferência na vida, para não sofrer
finge um equilíbrio que é falso, desesperado na verdade. Não sabe que “O
que vive fere”, como anotou João Cabral de Melo Neto no poema O Cão Sem
Plumas, “O que vive/ incomoda de vida/ o silêncio, o sono, o corpo/ que
sonhou cortar-se/ roupas de nuvens”.
Com Ricardo Reis,
anti-heraclitiano por excelência, cessa o movimento do mundo, “Tudo quanto
me ameace de mudar-me/ Para melhor que seja, odeio e fujo./ Deixem-me os
deuses minha vida sempre/ Sem renovar” (114). “Nada fica de nada. Nada
somos”, a não ser “Cadáveres adiados que procriam”. Curiosamente, o
mesmo verso que, no singular e com sentido oposto, aparece num poema de
Fernando Pessoa “ele mesmo”, Dom Sebastião, de Mensagem, sobre o
audacioso rei que encarna o desejo de prosperidade de Portugal: “Sem
loucura que é o homem/ Mais que a besta sadia,/ Cadáver adiado que procria?”.
PARA BEM OU
PARA O MAL
O exame das Odes de
Ricardo Reis revela o poder de persuasão da poesia, para o bem ou para o mal.
Poder que se reflete nas outras artes e, por extensão e múltiplos mecanismos,
na maneira como cada um de nós vê e sente o mundo mesmo sem nunca ter lido um
poema, afetando a sensibilidade de toda nação, como uma vez anotou o poeta
T.S.Eliot, e da qual dependem, e muito, as ações humanas. Na obra em negativo
de Ricardo Reis há coisas horríveis admiravelmente bem escritas, num tom
tranqüilo, suave e aliciador, que não foram produzidas pelo poeta que as
assinou, mas por outro, que lhe inventou uma biografia, uma obra e um estilo,
como o fez com Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Em síntese, para Horácio
tudo vale a pena se a alma se mantém na virtude do meio-termo dourado, para
Ricardo Reis “Não vale a pena/ Fazer um gesto” (74), “Nada que haja/
Vale que lhe concedamos/ Uma atenção que doa” (140), enquanto Fernando
Pessoa “ele mesmo” responde à questão no poema Mar Português, também de
Mensagem: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./ Quem
quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor./ Deus ao mar o perigo
e o abismo deu,/ Mas nele é que espelhou o céu.”
* Os números entre
parêntesis após os versos de Ricardo Reis indicam as respectivas páginas do
volume Ficções do Interlúdio/ 2-3, Odes de Ricardo Reis e Para além do
outro Oceano de C(oelho) Pacheco. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
- Bojador é o cabo
da África até onde o mar era conhecido no século XV, antes dos descobrimentos.
- Esse trabalho
originalmente é de maior extensão e dividido em duas partes, sendo a parte
sobre a aproximação formal entre a obra de Reis e Horácio, indicada para
especialistas e aqui não apresentada, de responsabilidade do pesquisador
Daniel Costa da Silva.
É tão Suave
É tão suave a fuga deste dia, Lídia,
que não parece, que vivemos.
Sem dúvida que os deuses
Nos são gratos esta hora,
Em paga nobre desta fé que temos
Na exilada verdade dos seus corpos
Nos dão o alto prêmio
De nos deixarem ser
Convivas lúcidos da sua calma,
Herdeiros um momento do seu jeito
De viver toda a vida
Dentro dum só momento,
Dum só momento, Lídia, em que afastados
Das terrenas angústias recebemos
Olímpicas delícias Dentro das nossas almas.
E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras
Como quem guarda a c'roa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,
Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo.
Domina ou Cala
Um dos poemas mais famosos de Ricardos Reis vamos ler !!
Domina ou cala.
Não te percas, dando
Aquilo que não tens.
Que vale o César que serias?
Goza Bastar-te o pouco que és.
Melhor te acolhe a vil choupana dada
Que o palácio devido.
Aguardo
Aguardo, equânime, o que não conheço
— Meu futuro e o de tudo.
No fim tudo será silêncio, salvo
Onde o mar banhar nada.
A Abelha
A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,
Não mudou desde Cecrops.
Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.
Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós — ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte! —
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida
Obras - Ricardo Reis
As primeiras obras foram publicados em 1924, na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa. Mais tarde foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Os restantes poemas e prosas são de publicação póstuma.
Temas
Reis, também discípulo de Caeiro, admira a serenidade e a calma com que este encara a vida, por isso, inspirado pela clareza, pelo equilíbrio e ordem do seu espírito clássico greco-latino, procura atingir a paz e o equilíbrio sem sofrer, através da autodisciplina e das seguintes doutrinas gregas:
Epicurismo
Doutrina baseada num ideal de sabedoria que busca a tranquilidade da alma através das seguintes regras:- Não temer a morte - Levando o poeta ao Fatalismo, tendo a morte como única certeza na vida.
- Procurar os simples prazeres da vida em todos os sentidos, sem preocupações com o futuro (carpe diem), mas sem excessos - Deste modo aprende a viver cada instante como se fosse o último; e faz da vida simples campestre um ideal (aurea mediocritas);
- Fugir à dor - Como defesa contra o sofrimento, sobrepõe a razão sobre a emoção;
Estoicismo
Doutrina que tem como ideal ético a apatia - ausência de envolvimento emocional excessivo que permite a liberdade – , e que propõe as seguintes regras para alcançar a felicidade (relativa, pois não pretende um estado de alegria mas sim de um contentamento inconsciente):- Dominar as paixões – Suscita uma atitude de indiferença; Recusa o amor para evitar ter desilusões, de modo a que nada perturbe a serenidade e a razão, e porque este é uma inutilidade e está já condenado, uma vez que tudo na vida tem um fim;
- Aceitar a ordem universal das coisas, incluindo a morte - Revela a faceta conformista, considerando a vida como efémera, um fluir para a morte e essa consciência não lhe gera nem angústia nem revolta.
Biografia - Ricardo Reis
Ricardo Reis(1887) é um heterônimo do poeta Fernando Pessoa, entre muitos outros que criou. O poeta português criou outros, como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Bernardo Soares.
Fernando Pessoa teve a idéia de criar “Ricardo Reis” quando escreveu os "Poemas de índole Pagã”. Seu perfil consta que nasceu em Porto e estudou em colégio de jesuítas. Foi viver no Brasil depois de se formar em medicina. Era autodidata na língua grega e de formação sólida na língua latina.
Ricardo Reis nasceu na cidade de Porto. Por nutrir simpatia em relação à causa monarquista, expatriou-se ao Brasil em 1919.
Ricardo Reis possui obras em seu nome. As primeiras obras foram publicadas na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa em 1924. Posteriormente, publicou várias Odes na revista Presença, de Coimbra. A idéia desenvolvida em sua obra faz parte do pensamento Greco-romano: clareza, equilíbrio, as boas formas de viver, o prazer, a serenidade. O pensamento do filósofo Epicuro permeia a obra de Ricardo Reis, que pregava que as pessoas deveriam viver o “aqui e agora”, retomando o preceito grego do carpem diem, baseado no prazer. Mas, além do epicurismo, Reis possuía o estoicismo também como influência, que propõe a aceitação do acontecimento das coisas e a rejeição às emoções e sentimentos exacerbados.
Ricardo Reis possui um estilo muito próximo dos escritos do poeta latino Horácio, como o uso de gerúndios, imperativos e inversões de sintaxe, como os hipérbatos.
Não existem fontes comprovadas de sua morte, mas o escritor José Saramago em seu livro “O Ano da Morte de Ricardo Reis” situou-o em 1936.
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